As três cartas

Artigo de Aleluia Heringer

Cartas sempre trazem anúncios, notícias, comunicados ou convites. Mesmo que aquele envelope selado, que aguardávamos ansiosamente chegar, esteja em desuso, ainda persiste o seu valor como portador daquilo que precisa ser conhecido, mesmo que por outros meios.

Recebemos três poderosas cartas nos últimos oito anos. Vieram de pessoas e lugares diferentes, são endereçadas a pessoas diversas, além de usarem linguagens distintas. Então, qual a relação entre a Carta Laudato Si, do Papa Francisco (2015), que lança um apelo; a Carta de Larry Fink (2020), CEO da BlackRock (maior gestora de fundos de investimento do planeta), que faz um alerta; e o 6º Relatório Síntese (2023) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que traz um veredicto?

O Papa Francisco lança um apelo urgente a um diálogo que una a todos, sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta. O desafio ambiental que vivemos e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós. Faz um pedido para que tomemos “dolorosa consciência, ousar transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece com o mundo e, assim, reconhecer a contribuição que cada um lhe pode dar”. Mesmo tendo uma perspectiva socioambiental, coletiva e crítica dos modos de produção, a carta nos interpela individualmente apontando para nosso estilo de vida, valores e consumo.

Larry Fink endereça a sua carta ao “Estimado CEO” – alertando sobre o quanto o risco climático está forçando os grandes investidores a reavaliar seus investimentos. De forma pragmática, lança perguntas. Será que as cidades serão capazes de suprir as necessidades de infraestrutura na medida em que o risco climático muda o mercado de títulos municipais? O que acontecerá com as hipotecas de 30 anos, se os credores não puderem estimar o impacto do risco climático para um horizonte tão longo? E o que acontecerá com as áreas afetadas por enchentes ou incêndios, se não houver um mercado de seguros viável para esses eventos? O que acontece com a inflação e, por sua vez, às taxas de juros, se o valor dos alimentos aumenta devido à seca ou às inundações? Como podemos modelar o crescimento econômico, se os mercados emergentes veem sua produtividade cair, como resultado das temperaturas extremamente altas e outros impactos climáticos?

Já o relatório síntese do IPCC (AR6) é a mais abrangente avaliação sobre mudanças climáticas (8 mil páginas). Trata-se de um compilado de oito anos de publicações envolvendo 782 cientistas de todo o planeta. Apesar de sombrio, por detalhar as consequências devastadoras do aumento das emissões de gases do efeito estufa (GEE) em todo o mundo, aponta alguns caminhos subsidiando as nações para que tomem as melhores decisões.

Mesmo de posse de todos os alertas e dados, os ministros do Clima e do Meio Ambiente das maiores economias do mundo, reunidos na Índia no dia 28 de julho de 2023, não conseguiram chegar a um acordo. Vale lembrar que esses países respondem por 80% das emissões dos gases de efeito estufa.

Ao ouvir essa notícia, mesmo não sendo possível desanimar, lembrei-me daquilo que Bruno Latour escreveu: “em vez de falar de esperança, teríamos que explorar um modo bastante sutil de “desesperar”, o que não significa “se desesperar”, e, sim, não confiar apenas na esperança como engrenagem sobre o tempo que passa”. Se as cartas recebidas foram contundentes e inequívocas, as respostas das nações mais poluidoras do planeta, infelizmente, foram e têm sido pífias, assim como as nossas. Discursos, escritos e promessas, insignificantes diante da grandeza do que precisa ser feito, talvez, por isso, ainda permanecem sem selos ou presas na caixa de saída como não enviadas.